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Panorama do Museu de Arte Moderno em São Paulo - Estrangeiros que Fazem Arte Brasileira


Se há um consenso no terreno das artes plásticas é o de que pouco importa atualmente a procedência de um artista. Não são poucos os que têm um país na certidão de nascimento e outro - ou outros - como referência cultural. Para ficar em um exemplo consagrado: faz diferença dizer se Vik Muniz é brasileiro ou americano (ele está em Nova York desde a década de 1980)? E suas criações? Dá para bancar que exibem características só daqui ou dos Estados Unidos? Nem por isso, no entanto, a apresentação dos participantes da 31ª edição do Panorama da Arte Brasileira, que abre neste mês no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), foi bem recebida no meio. Na lista assinada pelo curador Adriano Pedrosa figuram apenas nomes estrangeiros - com duas exceções: a mineira Tamar Guimarães, que vive na Dinamarca, e o paulistano Valdirlei Dias Nunes, chamado pelo argentino Nicolás Guagnini para colaborar em sua obra. O anúncio causou polêmica, motivada por duas razões. A primeira diz respeito à história do próprio Panorama, que, idealizado em 1969 para ajudar na montagem de um acervo para o MAM, acabou se fortalecendo como um espaço dedicado à produção nacional emergente. A segunda é o fato de os artistas brasileiros ficarem de fora justamente num momento de especial reconhecimento no exterior. "Que presunção, que vaidade, que egocentrismo, que exclusão, que ignorância", escreveu o artista Artur Barrio, português de nascimento, mas que mora no Brasil desde a década de 1950, no blog Canal Contemporâneo. "É realmente triste ver a que ponto chega este jogo de nepotismo, amiguismo e internacionalização de nossos curadores", disse o artista mineiro Marco Paulo Rolla, engrossando o coro dos descontentes. "A questão da nacionalidade é o critério mais simplista que um curador pode adotar hoje", afirma Pedrosa, devolvendo os ataques. À frente do que considera "a maior exposição do principal museu privado de São Paulo", ele apresenta os cerca de 30 criadores como "estrangeiros que produzem arte brasileira". Pode-se falar que tal ousadia na concepção da mostra começou a ser esboçada em 2003, quando o MAM colocou um curador cubano para responder pelo Panorama. Gerardo Mosquera levou para o museu outros três nomes internacionais: o argentino Jorge Macchi (também presente na edição deste ano), o belga Win Delvoye e a chinesa Kan Xuan. Na época, já diante de certa resistência, Mosquera alegou que as escolhas provavam a vocação internacional da arte brasileira. Agora, a radicalização dessa postura resultou em reações mais acaloradas, o que não deixa de ser positivo para a mostra. Existe expectativa com relação ao Panorama deste ano, algo importante num momento em que a validade de grandes exposições passou a ser questionada - depois de uma Bienal de São Paulo bastante fraca.IDEIAS MADE IN BRAZILA força da cultura brasileira entre artistas estrangeiros vem crescendo há pelo menos dez anos. Há quem tome a Documenta de Kassel de 1997 como uma espécie de marco nesse sentido. Foi na décima edição da prestigiada coletiva alemã que o mundo conheceu com mais profundidade o legado da mineira Lygia Clark (1920-1988) e do carioca Hélio Oiticica (1937-1980), ambos homenageados com salas especiais na mostra. Oiticica e Lygia, a dupla de expoentes do neoconcretismo, são justamente as principais influências nacionais entre os criadores do exterior, de acordo com o curador Adriano Pedrosa - ao lado dos modernistas Oscar Niemeyer e Franz Weissmann (1911-2005). Foi por meio dessa constatação que ele selecionou os integrantes da mostra no MAM. "Os nomes que trago desta vez mantêm uma relação mais profunda com a nossa produção sobretudo a partir dos anos 50. A referência brasileira não é mais aquela explorada pelos artistas viajantes dos séculos 17 e 18, que trabalhavam só com a paisagem tropical. Deixamos de ser uma inspiração exclusivamente visual para exportarmos o pensamento também", diz Pedrosa. "A exposição é brasileira. Tem bossa nova, tropicália, Lina Bo Bardi, Niemeyer. Porém agora é a nossa cultura que está sendo canibalizada pelo outro."Entre suas escolhas, aparecem ligações bem óbvias com o Brasil. Alguns trabalhos trazem isso já no título, caso dos desenhos em grafite feitos pelo português Julião Sarmento em 1992 e batizados de Brasil. Ou da estrutura de madeira com fogos de artifício criada pelo americano Cerith Wyn Evans em 2004. A obra chama-se Aqui Tudo Parece que Ainda É Construção e Já É Ruína, verso da canção Fora da Ordem, de Caetano Veloso.
Em outras, a relação com o Brasil acontece de forma menos escancarada - mas nem por isso difícil de identificar. Módulo de Construcción con Tortillas, escultura montada pelo mexicano Damián Ortega em 1998 (na página anterior), poderia ser tomada como uma peça de Franz Weissmann não fosse, claro, pela brincadeira muito bem sacada do artista em usar o salgadinho típico do México como matéria-prima. Bem-humorado, o trabalho Sem Título (Suporte para Aula de Matemática (Branca)), desenvolvido dois anos atrás pelo colombiano Gabriel Sierra (acima), lembra um movimento estético nacional, o neoconcretismo. Com seis réguas entrelaçadas a frutas tropicais (peras e maçãs), o artista combina itens aparentemente antagônicos: a racionalidade do cálculo e a imprevisibilidade da natureza. E assim a composição parece resumir a principal crença das rodas neoconcretas do fim dos anos 50: o Grupo Frente, do Rio de Janeiro, e o Ruptura, de São Paulo, nascidos como uma resposta à dureza do concretismo. Eles defendiam que era possível o casamento entre a liberdade de expressão e o rigor geométrico até então perseguido por seus antecessores.Um dos principais nomes desta edição do Panorama é o alemão Franz Ackermann. Suas aquarelas e colagens cheias de cor remetem ao tropicalismo e à arquitetura brasileira. Em uma das obras, por exemplo, a imagem do edifício Copan, projetado por Niemeyer no centro de São Paulo, surge mesclada ao retrato do próprio Ackermann (veja na abertura desta reportagem). O curador da mostra, orçada em torno de R$ 900 mil, ainda convidou nove artistas para cumprir residência na capital paulistana. Adrián Villar Rojas, Mateo López e José Dávila foram alguns dos eleitos para morar por cerca de dois meses no edifício Lutetia, também na região central de São Paulo, que pertence à Fundação Armando Álvares Penteado. Durante a temporada, eles produziram obras, e algumas delas farão parte da exposição. Entre elas, o letreiro desenvolvido pela dupla Claire Fontaine, formada pela italiana Fulvia Carnevale e pelo irlandês James Thornhill, que vivem em Paris. Em néon, a escultura traz a frase Mamõyguara Opá Mamõ Pupé, tradução em tupi para a expressão "Foreigners Everywhere" (Estrangeiros em Todo Lugar). A ideia de que, não importa para onde vão, os artistas são sempre estrangeiros, encaixou-se tão bem na proposta de Pedrosa que acabou virando o título deste Panorama.
ONDE E QUANDO
Panorama da Arte Brasileira 2009 - Mamõyguara Opá Mamõ Pupé (parque do Ibirapuera, portão 3, São Paulo, SP, tel. 0++/11/5085-1300). De 4/10 a 20/12. De 3ª a dom. e feriados, das 10h às 18h. R$ 5,50.
Fonte Revista BRAVO

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